Em breve o estudo ficará disponível na íntegra. Por enquanto, segue pequeno trecho, dos três primeiros capítulos do Livro 1 de “A Morte e o Seu Mistério” de Camille Flammarion.
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I – PODE SER ATUALMENTE RESOLVIDO O MAIOR DOS PROBLEMAS?
“Se podemos desejar alguma coisa de melhor e útil no curso desta existência, é o de servir de algum modo ao progresso lento, mas todavia real da humanidade, essa raça bizarra, crédula e céptica, indiferente e curiosa, boa e má, virtuosa e criminosa, aliás incoerente e ignorante no seu conjunto, saída apenas dos casulos da crisálida animal” (2008-I:09).
E Flammarion cumpriu seu propósito. Seu enorme legado possui como contribuições principais sua colaboração na Codificação Kardequiana, seus estudos em astronomia e a pluralidade dos mundos / das existências. Aqui o autor nos levará em estudos para comprovar a continuidade da vida após a morte. Flammarion trata esta questão como o maior de todos os problemas, e ainda indaga se poderá encontrar a solução através de um método experimental. Ou seja, prepara o leitor para uma viagem que englobará filosofia e prática dos fatos, dois dos elementos mais ausentes nas pesquisas do século XXI.
“a sobrevivência da alma, seja no espaço, seja nos outros mundos, seja pelas reencarnações terrestres, põe sempre diante de nós o mais formidável dos pontos de interrogação” (2008-I:10).
E assim o é pela motivação que carrega consigo. A Doutrina Espírita nos explica que a dor, além de grande professora das almas, é um dos grandes fatores que carregam os seres à busca por respostas. O autor aqui deixa clara a motivação que o conduz:
“Aqueles que nunca viram morrer um ente adorado não conhecem a dor, não caíram no abismo do desespero, não tropeçaram com a porta fechada do túmulo. Quer-se saber, e um muro impenetrável ergue-se inexoravelmente diante do pavor” (2008-I:11).
A ignorância1 é o maior fio condutor da história. É o desconhecimento que leva as pessoas em busca de respostas, por uma curiosidade saudável. Várias delas escreveram cartas ao autor, confidenciando caos e solicitando explicações ou corroborações para os ideias de continuidade da vida. À muitas dessas pessoas faltavam os recursos necessários para alcançarem por si as respostas, sejam eles recursos materiais, físicos, espirituais e até mentais. Mães que perderam filhos, viúvas que perderam maridos, e assim por diante, alguns casos que levaram Flammarion a formatar essa obra como um abrigo, um consolo quanto à realidade da vida.
Aqui há a mesma constatação de Léon Denis em suas diversas obras. As religiões e os seres perderam a capacidade de consolar e atender à expectativa dos que sofrem. Não há remédio e nem forma de atenuantes aos que sofrem por quem morreu, pois ali havia apenas poucas formas de destino:
- O Nada;
- O Céu;
- O Inferno;
E a eternidade seriam de bênçãos ou punições caso algo houvesse após a morte. Um breve exame de consciência colocaria em evidência que quase ninguém estaria apto a galgar um lugar ao Céu, uma vez que a humanidade costuma persistir em alguns erros contrários aos mandamentos de Deus. Esse entendimento gerava dor por si só, já que a absolvição dos homens poderia não garantir a rendição divina.
Não só isso, mas como descreve a carta da Viúva Boffard, da Espanha, que enfrentou diversas dificuldades e viu perecer seu filho após idas e vindas de esperanças. O caráter de seu jovem filho (cujo desencarne ocorreu aos trinta e três anos) lhe parecia tão bom e seu temperamento era tão admirado, que a perda e as dificuldades seguintes lhe geraram desespero e revolta. Podemos observar na carta elementos preocupantes tais os abaixo:
“Há trinta e dois dias que ele morreu e, depois disso, não consegui dormir dez horas. À noite fico de pé até as quatro da manhã, e quando, vencida pelo cansaço, me deito, vestida, no meu leito e fecho os olhos, a idéia fixa continua durante o penoso sono; não perco a lucidez um só minuto e, quando abro os olhos experimento a obsessão que perdura durante o dia. É tão assustador o que sinto, e tão atroz, que a mim mesmo pergunto se o inferno não será preferível ao que sofro!
É possível que seja Deus o criador de seres destinados a suportar semelhantes misérias?
(…)
oh! diga-me, suplico-lhe de joelhos, se as almas sobrevivem, se posso conservar a esperança de tornar a ver meu filho e se ele me vê! Existirá algum meio de comunicar com ele?
(…)
Se fosse possível pesar a dor, medi-la como o senhor media os mundos, seria tal o peso da minha, tamanha a extensão, que o assustaria pensar que uma alma possa atingir tal grau de tormento. É preciso que haja para isso alguma coisa de infernal no meu destino! Nem ferros em brasas, nem tenazes de tortura são capazes de produzir semelhantes sofrimentos! Meu filho, meu filho adorado! Desejo vê-lo! Não quero o Céu sem ele!
(…)
Diga-me se as almas sobrevivem em alguma parte, se elas se recordam, se elas amam ainda os que ficam na Terra, se nos vêem, se podemos chamá-las para junto de nós!” (2008-I:15-16).
Estes são os trechos de grande dor que a carta nos transmite. São motivações ao estudo e à pesquisa como objetos, mas as palavras traduzem algo além da capacidade das religiões e crenças tradicionais quanto ao consolo. O desespero conduz o questionamento a Deus, a raiva e a descrença que uma dor sem razão aparente carrega consigo traz à chama da revolta e a ideia fixa, um ingrediente básico e convite à obsessão. Flammarion constata esse problema quando nos diz que:
“Os padres recebem diariamente súplicas dessa ordem, porque são considerados ministros de Deus, dotados do poder de penetrar o enigma do sobrenatural e de resolvê-lo. Respondem a essas dores levando-lhes os confortos da religião. O sacerdote afirma em nome da fé, da revelação; mas a fé não se impõe nem é tão geralmente aceita quanto se imagina. Conheço padres, bispos, cardeais que a não têm, apesar de a indicarem como benefício social. Há na Terra umas cinqüenta religiões diferentes, úteis talvez, mas inaceitáveis sob o ponto de vista filosófico. Em face dos espetáculos que acabamos de relembrar, poderão seus ministros convencer-nos de que um Deus bom e justo rege a humanidade?” (2008-I:17).
Como aconselhar alguém a ter fé? Eu não posso impor a fé à força para outra pessoa, posso somente indicar que ela busque sua fé e a desenvolva de tal forma, que a crença cega a conduza em algum grau de confiança. Assim era o passado. A FÉ Raciocinada que conduz o Espiritismo e que perpassa todos os aspectos da Doutrina é o elemento fundamental para que não ocorra o desequilíbrio perante a vida. As dores são entendidas como professoras Exigir fé parte do princípio errôneo de que todos a temos como uma faculdade, quando na verdade ela existe em fagulha, que precisa ser alimentada para que cresça e ateste sua vivacidade.
O caso seguinte é de Theil-sur-Vanne, cuja filha desencarnou aos 16 anos. Ela exprime também toda a sua dor e a sua revolta:
“Era tudo para mim, essa bela flor ceifada antes de desabrochar. Por que? Que problema!
Depois de sua morte, pensei muitas vezes no suicídio para reunir-me a ela…
(…)
Hora suprema e inolvidável, que revivo sempre! Amo o meu sofrimento. Vejo a minha querida morta que havia adivinhado o meu desespero; ela quis que eu ficasse, para chorar por ela. O meu pesar é feito de saudades estéreis, de decepção amarga, de revolta contra todos e tudo; barafusto contra o próprio Deus, que me levou mais do que mil vezes a vida. Agora, só posso viver da recordação de minha filha, meu pensamento constante, meu culto, minha adoração.
Quisera encontrar, se isso fosse possível, uma suavização à minha dor no Espiritismo; refugiar-me nele com fé, esperança e amor…” (2008-I:18-19).
Ela e o marido tentaram algumas formas de invocação, mas em vão. Às vistas destas famílias, não parece uma injustiça por parte de Deus, ceifar a vida de uma criança? Como consolar uma mãe que assiste a seu filho se esvair de suas mãos? O que dizer para quem sofre da impotência ao vislumbrar que nenhum bem material ou humano pode parar a morte?
“Mais do que nunca, o problema atroz dos destinos ergue-se diante de nós. (…) Ah! as religiões, apesar de terem todas por origem essa necessidade das nossas almas, esse desejo de conhecer, a dor de ver diante de si o cadáver mudo de um ente querido, não nos deram as provas que prometiam. As mais belas dissertações teológicas nada comprovam. Não são frases que queremos, são fatos demonstrativos. A morte é o maior problema que tem ocupado o pensamento dos homens, o problema supremo de todos os tempos e de todos os povos. Ela é o fim inevitável para o qual nos dirigimos todos; faz parte da lei das nossas existências sob o mesmo título que o do nascimento. Tanto uma como outro são duas transições fatais na evolução geral, e entretanto a morte, tão natural como o nascimento, parece-nos contra a natureza. A esperança na continuação da vida é inata na alma humana; é de todos os tempos e de todos os países” (2008-I:22).
E mesmo assim, o ‘sentimento’ não pode ser mensurado e atribuído de coeficiente científico, o que significa na prática, que se a religião e seus representantes não puderam consolar a contento, a ciência tão pouco o fará, pois está enredada na cadeia materialista que será tratada no capítulo seguinte.
Por enquanto, fica claro que algo na base está errado. Ainda agora no século XXI as discussões sobre religião e imortalidade são estéreis e dependem da individualidade. O problema é a busca e a forma com que é feita. A partir deste ponto na introdução, Flammarion disserta sobre sua própria formação inicial e as percepções que advém de uma sociedade em cuja maioria reinam os preceitos cristãos antigos da Igreja, baseados em salvação ou condenações eternas. Mas afinal, pergunta ele na página 26, por que temer a morte? Ou seria de fato, o fim de tudo e nada teríamos com que nos ocupar ou preocupar, ou seria a continuidade da existência, o que valeria, por assim dizer, as reflexões que merece.
“Que o nosso corpo acaba, um dia, de viver, não há dúvida alguma; ele se dissociará em milhões de moléculas que se incorporarão, em seguida, em outros organismos, plantas, animais e homens; a ressurreição dos corpos é um dogma obsoleto que ninguém pode aceitar. Se o nosso pensamento, a nossa entidade psíquica, sobrevivem à decomposição do organismo material, teremos a alegria de continuar a viver, pois que a vida consciente continuará também sob outra forma de existência, superior a esta, sendo o progresso a lei da Natureza e manifestando-se em toda a história da Terra, único planeta que podemos estudar diretamente” (2008-I:26).
Como advertido desde a introdução do Livro dos Espíritos por Kardec, a crença em uma sobrevivência da consciência exige meditação para que faça sentido junto à Doutrina. Flammarion por enquanto não trata do Espiritismo, mas da constatação de que a morte não significa a cessação da vida. Além da meditação, o embate do que seria científico-positivista ou teológico acabou por criar um cisma desnecessário que só acirrou uma disputa de orgulhos. Enquanto a ciência desdenha da religião, os últimos consideram-se autoridades sobre os primeiros.
“O problema da imortalidade da alma não recebeu ainda solução positiva da ciência moderna, mas também não recebeu, como por vezes se pretende, uma solução negativa” (2008-I:28).
Logo, a verdade reside em uma investigação honesta. Tema e tese do que Flammarion desenvolverá nesta obra. Para ainda constatar sua atualidade (o livro foi originalmente lançado em 1917), ou seja, quase cem anos, segue um trecho dos mais importantes da introdução. A despeito de todos os problemas sociais causados pela disputa Ciência x Religião, há um mais intrínseco, que diz respeito à ausência de estudo e conhecimentos na sociedade. Muitas vezes é a preguiça que norteia os destinos e são muito poucos os que realmente se esforçam na conquista de novos horizontes. Tudo isso prejudica uma reflexão honesta.
“Pode concluir-se que há um ser humano entre mil e seiscentos que sabe, de modo vago, em que mundo habita, e um em cento e sessenta mil que o conhece bem.
Quanto ao ensino primário e secundário, escolas, colégios, liceus (laicos ou culturais), em matéria astronômica, o resultado é este: nada ou quase nada. Em psicologia positiva, nada igualmente. A “ignorância universal” é a lei da nossa Humanidade terrestre desde o seu nascimento simiesco” (2008-I:30).
Ou seja, a sociedade, devido a um individualismo supremo preconiza o que é de curto prazo e imediatamente materialista. Por enquanto, é a dor a maior motivadora para que as possas se libertem desta jaula e passem a ao menos considerar a hipótese de que há continuidade na vida. No entanto, o intuito de Camille não é o de estabelecer um tratado religioso-filosófico, mas sim o e buscar provas positivas da sobrevivência da alma.
Então a obra se iniciará com uma análise fria do que é regularmente aceito em ciência, para que então se esvazie as lacunas que ainda param o progresso. Tudo com o maior rigor possível.
II – O MATERIALISMO – Doutrina errônea, incompleta e insuficiente.
Flammarion escrevia para um público cujo nível de instrução era alto. Claro que sempre tratou-se da minoria populacional. Então há um pressuposto de que o leitor conheça as terminologias e teorias estudadas. Aqui vou tentar traduzir um pouco do que o autor quis dizer e entender por elas.
Filosofia Positiva de Augusto Comte – “O conhecimento científico sistemático é baseado em observações empíricas, na observação de fenômenos concretos, passíveis de serem apreendidos pelos sentidos do homem. Não apenas isso, o positivismo é a ideia da construção do conhecimento pela apreensão empírica do mundo, buscando descobrir as leis gerais que regem os fenômenos observáveis. Dessa forma trabalham as ciências naturais, como a biologia ou a química, que se debruçam sobre seus objetos de estudo em busca de estruturação das ‘regras’ que constituem as formas de interação entre organismos e seus compostos no mundo biológico observável ou das interações entre diferentes reagentes químicos2“.
Portanto, Filosofia Positiva, positivismo, todos são sinônimos derivados do entendimento acima exposto. Imperioso que reconheçamos e que haja compreensão de que há uma natureza material presente na observação empírica, ou seja, a que afeta os nossos sentidos. Em tese, o universo seria explicável de forma análoga a tudo o que somos capazes de verificar em experiência e repetição. Uma máquina, com engrenagens universais da física clássica, na mecânica de Newton.
Era quase uma regra que estes investigadores fossem ateus e materialistas. Claro, influenciados grandemente por sua matriz teórica investigativa. Há sempre uma filosofia de vida envolvida no cotidiano, até nos mais ínfimos gestos. Claro que no quesito ético-moral era de se esperar algum reflexo utilitarista ou de vaidades exacerbadas. Mas como Flammarion anota, esses grandes homens faziam grandes concessões de bondade e cordialidade, sem necessitar de moral religiosa específica. Ele comenta alguns casos, iniciando por Littré3:
“sua esposa era muito devota: ele mesmo a acompanhava, aos domingos, à missa de S. Sulpício, por meiga e pura bondade e sem entrar na igreja. Le Dantec, ateu e materialista, que lhe sucedeu, teve exéquias religiosas para não magoar sua mulher, muito religiosa também, de quem se pode deplorar este último gesto. Preferir-se-ia que as companheiras da vida dos grandes homens pensassem como seus maridos. Este professor de ateísmo era igualmente muito bom. Tudo isto é bastante paradoxal. O mesmo se deu com Jules Soury, esse devorador de padres “sepultado por eles, entre preces litúrgicas”. A lógica não é deste mundo. Mas as doutrinas nem sempre orientam as obras. Pode-se ser católico praticante e, ao mesmo tempo, mentiroso, explorador do próximo, assim como se pode ser materialista e perfeito homem de bem” (2008-I:32-33).
Então, não é a escolha de filosofia de vida que coordena o caráter. São grandes os exemplos dos que nunca acreditaram na continuidade da existência, ou em recompensas / punições eternas como mote de ação e comportamento. Por isso o estudo será travado no campo científico, e nada há que sugira a idéia de ataques / argumentos no ponto de vista pessoal, onde sempre haverá o respeito.
“Esses eminentes espíritos são respeitáveis nas suas honestas convicções, que devemos respeitar como eles respeitaram as dos outros; mas podem-se discutir as suas idéias, e de resto nunca eles tiveram pretensões de infalibilidade” (2008-I:33).
Portanto, já há a definição de positivismo, sua consequente postura materialista e a conclusão de que não é a escolha desta ou daquela opção e entendimentos perante a vida que conota a conduta ético-moral do indivíduo. A questão são as idéias. Flammarion inicia pelas de Littré.
“Entretanto, sendo certo que a Psicologia foi na sua origem e ainda é o estudo do espírito, considerado independentemente da substância nervosa, não devo nem quero servir-me de expressão que pertence a uma filosofia muito diferente daquela que empresta o seu nome às ciências positivas. Nestas ciências não se conhece nenhuma propriedade sem a matéria, não porque a priori se tenha a idéia preconcebida de que não existe qualquer substância espiritual independente, mas porque a posteriori jamais se encontrou a gravitação sem corpo pesado; o calor sem corpo quente; a eletricidade sem corpo elétrico; a afinidade sem substâncias de combinação, vida, sensibilidade; pensamento sem ser vivo, sensível e pensante. (…) Hoje não resta dúvida de que os fenômenos intelectuais e morais são fenômenos pertencentes ao tecido nervoso; que o caso humano não é senão um anel, embora o mais considerável, de uma cadeia que se prolonga, sem limite bem nítido, até aos últimos animais; e que, sob qualquer título que se proceda, contanto que se empregue o método descritivo, de observação e de experiência, ser-se-á um fisiologista” (2008-I:34-35).
Logo, havia a tentativa honesta de colocar Psicologia abaixo da Fisiologia, uma vez que tudo seria resultado das ações orgânicas, sendo que não existe outra forma de influência à matéria que os impulsos conhecidos dos elementos materiais em si. Ou seja, tudo o que é mensurável e quantificável. No entanto, até hoje não se conseguiu provar de forma positiva, ou seja, científica, que o pensamento é uma substância nervosa, uma excreção cerebral ou molecular, nem que a consciência e inconsciência residam em alguma área do cérebro material. Enfim, o que é científico então? Nem a incerteza por si só serve como teoria, apenas hipótese.
“Não se ousaria comparar um pedaço de pau com um pedaço de mármore ou de metal, e compara-se tranqüilamente o espírito, a razão pensante, o sentimento da liberdade, da justiça, da bondade, a vontade, com uma função da substância orgânica! Taine4 assegura que o cérebro segrega o pensamento como o fígado segrega a bílis. Parece que nestas inteligências a sede do raciocínio é feita, de antemão, com a mesma cegueira que a dos teólogos” (2008-I:36).
Flammarion define matéria como tudo o que pode ser depreendido através de nossos sentidos. E no entanto, a observação indica que há uma complexidade no ser humano que foge à regra. Na ordem psíquica por exemplo, muito pouco pode ser explicado. É um problema de perspectiva. Como um peixe acreditaria na vida fora da água? Esse era o papel dos cientistas e ainda hoje o é de muitas ciências. A investigação séria e realmente científica prova que inúmeros fatores ficaram sem explicação pelo positivismo. O autor deseja resgatar alguns destes através da observação da Natureza5, e o faz com exemplos cujo conteúdo não permite conclusão mais lógica: Há um organizador, uma Consciência Inteligente que administra a Natureza. Do contrário, seria o acaso capaz de:
- Fecundar plantas, animais e seres humanos;
- Realizar o desenvolvimento físico e psíquico da humanidade
- Organizar moléculas e átomos em nível microscópico e macrosideral;
“O espírito sobrepuja o corpo; os átomos não regem; são regidos. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao Universo inteiro, aos mundos que gravitam no espaço, aos vegetais, aos animais. A folha da árvore é organizada, um ovo fecundo é organizado. Essa organização é de ordem intelectual. O espírito universal está em tudo; ele enche o mundo, e isto sem cérebro” (2008-I:37).
E então retornamos ao problema que conduziu a introdução. Se no aspecto da observação da Natureza nós vislumbramos uma coordenação perfeita e uma organização que não pode ser mero acaso, qual o valor da dor e do sofrimento? Por que a Natureza seria tão ingrata com seus filhos e membros? Onde todo o racionalismo positivista e sua cientificidade vislumbrariam a razão para que houvesse, nessa profundidade esses fatos? Para o Espiritismo e para Flammarion, advém de nossa incompreensão de Deus e de nossa inferioridade espiritual. Claro que juntamente a esses fatores podemos desdobrar que por não compreendermos a Divindade nós deturpamos o significado real de sua obra, além do que, limitamos a busca de respostas ao que nossos sentidos depreendem (muito pouco). Por exemplo, veja o pequeno espectro que somos capazes de enxergar através dos olhos6
E quando falamos sobre a percepção auditiva7, é ainda mais evidente como somos limitados.
E quando comparamos aos animais, a diferença é ainda maior.
Dessa forma, já somos incapazes de compreender muitos dos fenômenos naturais pelas limitações básicas de nossos sentidos e sua aplicação à Natureza, que não são nada além do cérebro e suas funções. Como transcender essa fronteira? Se hoje recolhemos informes diversos e cada vez mais paradoxais nas ciências psíquicas, que dirá no século XIX? O quanto somos ainda influenciados por teorias de épocas onde não havia tecnologia capaz de adiantar esses diferentes espectros?
A intuição de que havia uma força superior, espiritual, acompanha a humanidade há muito mais tempo do que as ideias egocêntricas e orgulhosas que nos colocam em patamar supremo no universo. O Iluminismo é um dos movimentos mais importantes da humanidade como construção histórica, uma resposta suprema (porém radical) ao também radicalismo teológico que mergulhou a humanidade em sombras. Não podemos nos furtar à busca de um equilíbrio entre essas concepções. Eis então que atingimos um problema da mais alta complexidade, que coloca em xeque as concepções mais sérias da ciência. A vida.
Apesar de enxergarmos uma pequena faixa visual, um funcionamento mecânico do cérebro deveria significar a absorção de tudo o que nos é perceptível, como um escâner atual. No entanto, é fato de que o cérebro nem sempre registra tudo o que vê, e só recorda o que nos sensibiliza de alguma forma, seja por fator marcante ou por importância que lhe concedemos. E o que anima essa sensibilidade? Considerando que nada é aleatório (a única premissa deste estudo é o de que não existe acaso), o que leva meu cérebro a considerar X mais importante do que Y ou Z?
Os antigos pesquisadores definiram no cérebro algumas áreas responsáveis em seus tecidos pela memória e pelas recordações, como camadas de um disco. Quando o cérebro era afetado nessas regiões, além dos prejuízos motores, havia a perda de algumas memórias. No entanto, algum fator externo poderia, como aconteceu inúmeras vezes, “despertar” a memória que em tese havia sido perdida. Mesmo a neurogênese8 não sendo completamente aceita pela ciência atual, vamos supor que ela ocorra; ainda assim acontece de forma lenta e gradual, mas a memória não obedece a essa determinação. Como explicar de forma material? Se tudo não passa de matéria e secreção, não faz sentido algum. Se a neurogênese realmente for falsa e as células cerebrais não se regenerem, a situação se agrava.
“Eis aqui um cérebro que trabalha. Eis ali uma consciência que sente, que pensa e que quer. Se o trabalho do cérebro correspondesse à totalidade da consciência, se houvesse equivalência entre o cerebral e o mental, a consciência poderia seguir os destinos do cérebro e a morte ser o fim de tudo; pelo menos, a experiência não diria o contrário e o filósofo que afirma a sobrevivência teria de apoiar a sua tese em qualquer construção metafísica, base geralmente frágil. Mas, se a vida mental ultrapassa a vida central, se o cérebro se limita a traduzir por movimentos uma pequena parte do que se passa na consciência, a sobrevivência então se torna tão provável que a obrigação da prova caberá mais ao que nega do que ao que afirma, pois a única razão que possamos ter para admitir uma extinção da consciência depois da morte é a de que vemos o corpo desorganizar-se, e esta razão desvaloriza-se se a independência, pelo menos parcial, da consciência para com o corpo é, também, um fato de experiência” (2008-I:41-42).
Mas mesmo em situações extremas a ciência já provou que algumas ‘‘surpresas’’ acontecem para aqueles que imaginam a predeterminação da matéria. A sobrevivência é condicionada ao que?
“Aos exemplos extraídos das doenças da memória, que acabamos de relembrar, poderíamos acrescentar muitos outros que levam à mesma conclusão. O meu sábio amigo Edmond Perrier apresentou à Academia das Ciências, na sessão de 23 de dezembro de 1913, uma observação do Dr. Robinson, respeitante a um homem que viveu um ano, quase sem sofrimento, sem nenhuma perturbação mental aparente, com o cérebro reduzido ao estado de ‘papas’, formando vasto abcesso purulento. Em julho de 1914, o Dr. Hallopeau fez, na Sociedade de Cirurgia, a exposição de uma operação praticada no Hospital Necker numa rapariga caída do Metropolitano. Na trepanação, verificou-se que notável porção de matéria cerebral estava reduzida a papa. Fez-se a limpeza, drenou-se, fechou-se; a doente restabeleceu-se. Em 24 de março de 1917, na Academia das Ciências, o Dr. Guépin mostrou, operando um soldado ferido, que a ablação parcial do cérebro não impedia as manifestações da inteligência. Outros casos idênticos poderiam ser citados. Às vezes restam bem modestas parcelas: o espírito serve-se engenhosamente do que pode” (2008-I:42-43)
Há uma consciência cuja localidade corporal não é definida. Isso fica evidente quanto mais se estuda a fisiologia em sua complexidade. Não se trata de órgãos frios, mas de algo animado que continua a demonstrar sua energia através da VONTADE. Ela desenha-se suprema, move os homens até a irracionalidade dependendo de qual o ponto de observação. A obstinação de alguns gerou ganhos, de outros, perdas irreparáveis, mas o fato é que a vontade traz consigo uma fórmula, transcendente à matéria. Flammarion a aborda nas páginas 44 e 45, quando traz também uma observação bastante importante quando a uma outra forma de sentir que acompanha a humanidade desde seu remoto início. A vontade de cultuar, algo que nos subjuga a um princípio superior é a essência de todas as grandes religiões, ela faz o homem buscar em seu interior respostas de cuja a consciência material nem imagina a resposta. Em suma:
“Na teoria mecânica do Universo, o conjunto das coisas é um efeito fatal das combinações inconscientes; a criação é um nada intelectual que vem a ser alguma coisa e acaba por pensar! Pode-se imaginar hipótese mais absurda em si, e mais contrária à observação?” (2008-I:45).
Eis que a ciência prefere abraçar a idéia de que o acaso é o rei, absoluto senhor do universo do que considerar qualquer outra hipótese. E o que há de científico nisso? Este capítulo parece que anda em círculos, mas, na verdade, ele só demonstra o que a humanidade pratica desde sempre baseada em orgulho e vaidade. Na física mecânica, é a força que mantém o Universo em estado de movimento e estabilidade. No entanto, a observação demonstra que os átomos nunca estão estáticos, ainda que no zero absoluto, eles oscilam9 de acordo com o Princípio da Incerteza de Heisenberg. Qual a força que nos mantém em unidade?
“A força parece mesmo inerente ao átomo, pois não se nota em parte nenhuma átomo imóvel. Um ser vivo que não possuísse em si mesmo a sua força diretriz não poderia viver, cairia em ruínas, como edifício abandonado” (2008-I:46).
Então é preciso que haja coordenação sobre essa força, e que ela ainda dote de energia e conexão determinados átomos e moléculas para que então sejam animados. Afinal, qual é a partícula que diferencia os átomos que nos compõem dos átomos que compõem um automóvel? Nenhuma. De todas as nossas moléculas, cada uma parece ter sua razão de existir e se posicionar daquela forma. Ao mesmo tempo, nem tudo no Universo pode ser atribuído à força de atração Newtoniana, conforme a física quântica vem esclarecendo. Mal sabemos definir o comportamento de uma partícula ou sua localização…
“Afirmamo-lo: o Universo é um dinamismo. Uma força invisível e pensante rege mundos e átomos. A matéria obedece” (2008-I:48).
Claro que a afirmação acima feita por Flammarion carece de maior comprovação, mas é exatamente disso que se trata o transcurso da obra. Por enquanto, podemos depreender que o materialismo será enfraquecido pelo método experimental através da análise de vários fenômenos psíquicos e casos relativos.
“O Materialismo é doutrina errônea, incompleta e insuficiente, que nada explica a nosso contento. Admitir só a matéria dotada de propriedades é hipótese que não resiste à análise. Os ‘positivistas’ laboram em erro; existem provas “positivas” de que a hipótese da matéria, dominando e regendo tudo, pelas suas propriedades, está à margem da verdade. (…) Há no ser humano outra coisa mais do que moléculas químicas dotadas de propriedades: há um elemento não material, um princípio espiritual. O exame imparcial dos fatos vai comprová-lo e vê-lo-emos mesmo atuar independentemente dos sentidos físicos” (2008-I:49-50).
Eis as premissas e a introdução do livro, que nos levará a considerar o Materialismo Positivista como maior fator de atraso na sociedade devido ao aparelhamento do orgulho e da vaidade. Ele possibilita isso de forma a conceder aos homens da ciência um poder muito maior do que qualquer outro, o de influenciar diversas pessoas em diversas camadas sociais, direta ou indiretamente. A negação de qualquer força maior ou coordenação divina, além de sua consequente negação da alma, relega à curta existência humana uma importância maior do que realmente dispõe.
O esforço de Flammarion é claramente e principalmente um só: o de colocar a humanidade em seu devido lugar nos trilhos do progresso, mas também no seu pequeno local, seu pontinho no Universo, cuja magnitude não nos permite qualquer forma de egocentrismo.
III – QUE É O HOMEM? EXISTE A ALMA?
A singeleza do título deste capítulo esconde a profundidade que ele abraça. No capítulo anterior, não foi negada a importância do materialismo ou subestimado seu potencial, mas simplesmente constatamos que ele está bem longe de preencher suas lacunas teóricas, o que o coloca em fase de hipótese, e não uma ciência exata como se propõe.
No caso deste estudo, Flammarion propõe primeiro entender se existe a alma, para depois buscar a realidade da sobrevivência. Propõe-se a demonstrar, como já dito antes, através do método experimental, positivo. Antes, porém, o autor nos apresenta um interessante estudo sobre a palavra alma:
“A palavra alma e seus equivalentes em nossas línguas modernas (espírito, por exemplo), ou nas línguas antigas, como anima, animus (transcrição latina do grego), spiritus, atma, alma (vocábulo sânscrito ligado ao grego, vapor), etc. Implicam todas a idéia de sopro; e não há dúvida de que a idéia de alma e de espírito exprimiu primitivamente a idéia de sopro nos psicólogos da primeira época. Psyche, mesmo, provém do grego, soprar.
Estes observadores, identificando a essência da vida e do pensamento com o fenômeno da respiração, e, por outra parte, da decomposição do corpo morto, do corpo privado de sopro, privado da alma, com a crença nas aparições dos mortos, isto é, a vida persistente daqueles cujo cadáver aí jazia, inanimado, ou, o que é mais, dissolvido e reduzido a cinzas, imaginaram que o sopro, a alma, era alguma coisa que abandonava o corpo na hora do decesso, para ir viver em outra parte da sua própria vida.
Ainda hoje o último suspiro designa a morte” (2008-I:52-53).
Não se trata aqui de um estudo semântico, mas sim de demonstrar que a forma intuitiva está presente na humanidade (sobre a alma), há muito mais tempo do que a ciência. E quantas vezes a ciência errou em seus postulados? Quantas vezes a Terra foi o centro do universo? Quantas vezes a Terra foi plana? A observação prática demonstrava que os navios sumiam no horizonte e pareciam desabar num abismo. No entanto, tudo foi sendo desmentido à medida que o ser humano pode progredir em ideais e concepções. Enquanto cientistas buscavam o sol como um disco no céu, a observação posterior demonstrou que era um objeto esférico, redondo como a Terra.
“Só julgamos o Universo, as coisas, os seres, as forças, o espaço, o tempo, pelas nossas sensações, e tudo o que podemos pensar sobre a realidade está na nossa idéia, em nosso espírito, em nosso cérebro. Mas é um raciocínio singular concluir daí que as nossas idéias constituem a realidade. Essas impressões têm uma causa e essa causa é exterior aos nossos olhos, aos nossos sentidos. Somos espelhos que se dão conta das imagens recebidas” (2008-I:55).
Se não fôssemos dotados de olhos e ouvidos físicos como o que possuímos, será que a percepção do mundo seria a mesma? Essa indagação de Flammarion remonta às limitações de que dispomos em faixas visuais e auditivas. A resposta é NÃO. Se nossos principais sentidos fossem diferentes, nós conseguiríamos descrever o mundo de diferentes maneiras. Portanto, a conclusão lógica é a de que desconhecemos o real sentido das coisas. Só somos capazes de depreendê-los através de instrumentos falíveis e incapazes de abraçar TODA a realidade.
“Sinto, penso: tal é a nossa única certeza, imediata, realmente experimental, aquela que merece esse qualificativo. Desse fato primitivo, o único de observação real, de certeza indubitável, um grande fato secundário deriva por via de indução: o fato de uma causa da qual procedem esta sensação e este pensamento. Essa causa desdobra-se em dois fatores: o sujeito e o objeto, isto é, o que sente e pensa, o que é sentido e pensado” (2008-I:56).
Portanto, temos que:
E é por isso que Flammarion completa que:
“Supor que conhecemos a realidade é anticientífico. Sabemos que os nossos sentidos nos revelam apenas uma parte dela e isso mesmo à maneira de prismas modificando a realidade. Se o nosso planeta estivesse constantemente coberto de nuvens, não conheceríamos nem o Sol, nem a Lua, nem os planetas, nem as estrelas, e o sistema do mundo ficaria ignorado, de sorte que o saber humano seria condenado a irremediável falsidade. Ora, o que conhecemos nada é comparado com o que ignoramos; o nosso próprio nervo óptico não é senão intérprete parcial” (2008-I:56-57).
A prova que o autor utiliza para embasar seu ponto é irrefutável. As sensações são tão pouco (ou nada) confiáveis, que você viaja a ao redor do Sol a 107.000 km/h e não sente coisa alguma. A Terra ainda gira sob seu próprio eixo a 1.700 km/h e você ainda não sente coisa alguma. Ou seja, como é que nossos sentidos não identificam esse movimento? É porque o fluxo ocorre de forma inversa. A Natureza é dada, nós criamos palavras e definições para a fração de que nossos sentidos podem trabalhar.
“De resto, na Natureza, fora de nossos sentidos, não há de fato nem luz, nem som, nem cheiro; fomos nós que criamos essas palavras correspondentes às nossas impressões. A luz é um modo de movimento, como o calor, e há tanta “luz” no espaço à meia-noite como ao meio-dia, isto é, nas mesmas vibrações etéreas atravessando a imensidade dos céus. O som é outro modo de movimento, e só é um ruído para o nosso nervo auditivo. Os odores provêm de partículas em suspensão no ar, que afetam especialmente os nossos nervos olfativos (…) É pouco, e não nos dão, em todos os casos, o conhecimento da realidade. Há ao redor de nós vibrações, movimentos, etéreos ou aéreos, forças, coisas invisíveis que não percebemos. É esta uma afirmação de ordem absolutamente científica e incontestavelmente racional” (2008-I:58-59).
Então já que moldamos o mundo aos nossos sentidos e encontramos termos que apenas traduzem o que nossos órgãos materiais conseguem depreender da realidade que captamos, há de fato um problema muito sério no materialismo e no homem, que vislumbra num cerco o que pensa ser toda a realidade possível. Ou seja, focamos em aparência e desprezamos a essência, tão mais simples de aceitar com as devidas colocações.
“As aparências não nos revelam a realidade. Há uma única realidade apreciada diretamente por nós: é o nosso pensamento. E o que há de mais insofismavelmente real no homem é o espírito” (2008-I:59).
De fato, inúmeros casos registrados na ciência comprovam que uma doença paralisante do corpo pode manter um cérebro funcionando e ainda uma personalidade ativa. E se o cérebro não é ferramenta de uma personalidade que aplica a ele suas vontades, o que mais seria? Não é o olhar que vê, é o cérebro que assimila e repassa as informações visuais. De forma análoga, o pensamento não surge no cérebro, é processado e traduzido por ele em informações diversas. Sua origem é o espírito. Isso tanto é correto que o próprio ambiente psíquico foi detectado por diversos estudos de neurociência e psicologia. Eis o pensamento nas palavras de Flammarion:
“O pensamento é o que o homem possui de mais precioso, de mais pessoal, de mais independente. Sua liberdade é inatacável. Podeis torturar o corpo, encarcerá-lo, dirigi-lo pela força material: nada podereis contra o pensamento. Tudo o que fizerdes, tudo quanto disserdes, não o forçará. Ele ri-se de tudo, desdenha tudo, domina tudo. Quando quer iludir, quando a hipocrisia mundana ou religiosa o obriga a mentir, quando a ambição política ou comercial o faz revestir de máscara enganadora, conserva-se o mesmo e sabe o que quer. Não é isso a prova flagrante da existência do ser psíquico independente do cérebro? Não é a matéria, não é um conjunto de moléculas que pode pensar. É tão infantil, tão ridículo admitir que o cérebro sente e pensa, como atribuir às pilhas geradoras de eletricidade do telégrafo a geração das idéias expressas no telegrama” (2008-I:62).
A própria capacidade de escolha diferenciada demonstra a consciência individual. Gêmeos idênticos, criados sob as mesmas condições, no mesmo clima, educação, dieta e lazer ainda possuirão diferenças consideráveis, e muitas vezes são extremamente opostos entre si. São materialmente idênticos, então qual é, na prática, a questão que os diferencia? Se não há uma individualidade operante, uma personalidade única, um espírito, qual outra explicação?
Os estudos com hipnose foram capazes de distinguir personalidade, matéria e consciência.
Admite-se aqui que existe elemento superior à lógica material positivista, portanto, capaz de trazer ao menos o questionamento sobre algo além da matéria e dos sentidos materiais. É a sabedoria de Vergílio no Sexto canto da Eneida:
“Tudo quanto existe no Universo é penetrado pelo mesmo princípio, alma animando a matéria, que se mescla com este grande corpo10?”
O próximo capítulo tratará de provas mais contundentes da sobrevivência da alma, justamente reunindo fragmentos de estudos anteriores do autor (expressas em obras prévias) com alguns avanços em suas pesquisas.
Flammarion foi incansável em seu propósito de consolar e provar a sobrevivência da consciência e da personalidade no espírito imortal.
1Tratada aqui sempre no sentido de fator de desconhecimento, nunca em tom pejorativo que assinale algo maldoso.
2RODRIGUES, Lucas De Oliveira. “Positivismo“; Brasil Escola. Disponível em http://www.brasilescola.com/sociologia/positivismo.htm
3Littré, Maximilien Paul Émile (1801-1881) – continuador e discípulo de Comte. Publicou o célebre “DICIONÁRIO”.
4Hippolyte Adolphe Taine (Vouziers, Champanha-Ardenas, 21 de abril de 1828 — Paris, 5 de março de 1893) foi um crítico e historiador francês, membro da Academia francesa (cadeira 25: 1878-1893). Foi um dos expoentes do Positivismo do século XIX, na França. O Método de Taine consistia em fazer história e compreender o homem à luz de três fatores determinantes: meio ambiente, raça e momento histórico. Estas teorias foram aplicadas ao movimento artístico realista. (Fonte – Wikipedia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hippolyte_Taine).
5Flammarion já havia feito grande parte deste raciocínio na obra “DEUS NA NATUREZA”. Estudo disponível em: http://espiritismolivre.com/wp-content/uploads/2014/08/Estudo-Flammarion-Camille-Deus-na-Natureza-Final.pdf
6Para saber mais: http://www.oftalmologistabh.com.br/visao-como-funciona-e-por-que-enxergamos/
7Para saber mais: http://www.aulas-fisica-quimica.com/8f_07.html
8Regeneração dos neurônios de forma natural.
9Zero Absoluto é -273,15°C, tido como a menor temperatura possível.
10Citado no livro como pertencente ao canto sexto da Eneida de Virgílio.