Um pouco do estudo do Livro dos Espíritos:
VII – Progressão dos Espíritos (questões de 114 a 127).
A humanidade, desde seus antigos e vastos períodos de aprendizado filosófico, busca uma unicidade de entendimento, uma forma de compreender o ser humano que abrace toda sua complexidade e que possa traduzir suas idéias e seus comportamentos de forma geral. Chama a isso de natureza. A busca pela “natureza humana” foi uma constante por séculos, vide expoentes significativos ao longo das correntes filosóficas naturalistas com entendimentos diversos do que era o ser humano em natureza1.
Quando Kardec questiona os Espíritos na questão 114, temos uma exemplificação desta busca:
“114. Os Espíritos são bons ou maus por natureza, ou são eles mesmos que procuram melhorar-se?
— Os Espíritos mesmos se melhoram; melhorando-se, passam de uma ordem inferior para uma superior”. (2014:88)
Há a confirmação por parte dos Espíritos de que o progresso é possível e de que trata-se de necessidade individual, além de plena dependência dos próprios esforços para cada espírito. Constatando que a questão da natureza ainda não havia sido respondida, Kardec questiona:
“115. Uns Espíritos foram criados bons e outros maus?
— Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, ou seja, sem conhecimento. Deu a cada um deles uma missão, com o fim de esclarecê-los e progressivamente conduzir a perfeição, pelo conhecimento da verdade e para aproximá-los Dele. A felicidade eterna e sem perturbações, eles a encontrarão nessa perfeição. Os Espíritos adquirem o conhecimento passando pelas provas que Deus lhes impõe. Uns aceitam essas provas com submissão e chegam mais prontamente ao seu destino; outros não conseguem sofrê-las sem lamentação, e assim permanecem, por sua culpa, distanciados da perfeição e da felicidade prometida.
115-a. Segundo isto, os Espíritos, na sua origem, se assemelhariam a crianças, ignorantes e sem experiência, mas adquirindo pouco a pouco os conhecimentos que lhes faltam, ao percorrer as diferentes fases da vida?
— Sim, a comparação é justa: a criança rebelde permanece ignorante e imperfeita; seu menor ou maior aproveitamento depende da sua docilidade. Mas a vida do homem tem fim, enquanto a dos Espíritos se estende ao infinito”. (2014:88).
Da mesma forma que buscamos na filosofia a questão da natureza do homem (se é bom ou mau), a transferência dessa questão para os Espíritos solucionaria o problema de uma vez, já que a humanidade encarnada é reflexo de sua condição espiritual. No entanto a resposta dos espíritos é cristalina, ao invés de bom ou mau, devemos penar na criação de Espíritos simples e ignorantes, verdadeiras sementes que germinam de acordo com o cultivo individual. Isso torna a questão entre bom ou mau como um produto e não causa (natureza). Logo, ninguém é naturalmente bom ou naturalmente mau, simplesmente reflete em suas atitudes o pico moral que atingiu, seja ele mais baixo ou mais alto.
Ao longo das questões 116 e 117 temos o entendimento de que todos os Espíritos um dia atingirão a perfeição e que só dependem de seu próprio esforço para tal, uma vez que o livre-arbítrio é pleno e soberano sobre suas atitudes. Mas um outro ponto interessante é levantado pelo Codificador:
“118. Os Espíritos podem degenerar?
— Não. A medida que avançam, compreendem o que os afasta da perfeição. Quando o Espírito conclui uma prova, adquiriu conhecimento e não mais o perde. Pode permanecer estacionado, mas não retrogradar” (2014:88).
Ou seja, não é possível que um Espírito caia de nível na escala espírita. Mas o interessante é que ao contrário do que muitos imaginam, o espírito não está “fadado ao bem” a cada conquista. Cada degrau da escala é uma conquista, são conhecimentos adquiridos e moral apurada. Quanto mais elevada a moral e os níveis de conhecimento, maior a responsabilidade daquele espírito e maior o entendimento do impacto causado pelas suas escolhas. Portanto, não há degeneração pois o erro não é mais cometido por ignorância, mas por escolha. É como está escrito em Lucas (12:48) “Àquele a quem muito se deu, muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado”. Logo, é cristalina a lógica de que existe a opção de se fazer o bem ou mau conforme o nível de esclarecimento que escapa à ignorância. Kardec ainda expôs na obra “O Céu e o Inferno” que:
“A responsabilidade moral dos nossos atos na vida permanece, portanto, inteiramente nossa. Mas a razão nos diz que as consequências dessa responsabilidade devem estar em relação com o desenvolvimento intelectual do Espírito. Quanto mais ele for esclarecido, menos desculpável será, porque com a inteligencia e o senso moral nascem as noções do bem e do mal, do junto e do injusto2” (2007:80).
E então aceitando a ideia de que não há degeneração da graduação espiritual, somos compelidos a aceitar algumas ideias subjacentes, como as da estagnação e o agravamento do efeito de nosso livre-arbítrio. Obrigatoriamente, como nos é dito nas questões 120 e 121, nós passamos pela ignorância, mas não necessariamente pelo mal, sendo esse último uma escolha da consciência. Quando se conhece o que é certo e errado (portanto quando já temos uma condição moral que nos ausenta da ignorância) já é possível que se vença o mal.
“122. Como podem os Espíritos, em sua origem, quando ainda não têm a consciência de si mesmos, ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal? Há neles um princípio, uma tendência qualquer que os leve mais para um lado que para outro?
— O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire consciência de si mesmo. Não haveria liberdade, se a escolha fosse provocada por uma causa estranha a vontade do Espírito. A causa não está nele, mas no exterior, nas influências a que ele cede em virtude de sua espontânea vontade. Esta é a grande figura da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação e outros a resistiram” (2014:89).
A consciência evolui e se desenvolve com o passar do tempo e das experiências de cada encarnação. Deus, em sua infinita sabedoria e misericórdia não submeteria suas criações ao impossível. Do contrário, não haveria livre-arbítrio, apenas destinos traçados e fatalismos.
“122-a. De onde vêm as influências que se exercem sobre ele?
— Dos Espíritos imperfeitos que procuram envolvê-lo e dominá-lo, e que ficam felizes de fazê-lo sucumbir. Foi o que se quis representar na figura de Satanás.
122-b. Esta influência só se exerce sobre o Espírito na sua origem?
— Segue-o na vida de Espírito, até que ele tenha de tal maneira adquirido o domínio de si mesmo, que os maus desistam de obsidiá-lo” (2014:89).
essa influência das respostas 122-a e b será mais aprofundada no capítulo IX desta obra. Por enquanto podemos depreender que nosso livre-arbítrio é assediado por escolhas diversas todo o tempo, e é a capacidade de melhor escolher que encurta ou alonga nosso caminho rumo á perfeição. É através das más escolhas que vamos galgando novas provas e expiações que servem de instrumento ao nosso progresso.
Somos, portanto, responsáveis pelas escolhas e pela expansão de nossa consciência, trazendo para nós a responsabilidade de acordo com a nossa capacidade de assimilação da mesma. É assim que vamos passar por cada degrau da escala evolucionária rumo á perfeição.
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1Vide Rousseau, Locke, Hobbes, etc. Cada um destes “naturalistas” possuía uma forma de entendimento e caráter que dava à humanidade em estado puro.
2KARDEC, A. (2007) – O Céu e o Inferno – CAPÍTULO VII – AS PENAS FUTURAS SEGUNDO O ESPIRITISMO – “A carne é fraca” – Editora LAKE – Tradução de Herculano Pires e João Teixeira de Paula.