Áulus ouviu com atenção e ponderou:
– E imprescindível compreender que, depois da morte no corpo físico, prosseguimos desenvolvendo os pensamentos que cultivávamos na experiência carnal. E não podemos esquecer que a Lei traça princípios universais que não podemos trair. Subordinados à evolução, como avançar sem lhe acatarmos a ordem de harmonia e progresso? A idéia fixa pode operar a indefinida estagnação da vida mental no tempo.
(…)
– E o problema da imobilização da alma?
(…)
– Em nossa imagem, podemos defini-la com a propriedade possível. É que o tempo, para nós, é sempre aquilo que dele fizermos. Para melhor compreensão do assunto, lembremo-nos de que as horas são invariáveis no relógio, mas não são sempre as mesmas em nossa mente. Quando felizes, não tomamos conhecimento dos minutos. Satisfazendo aos nossos ideais ou interesses mais íntimos, os dias voam céleres, ao passo que, em companhia do sofrimento e da expressão, temos a idéia de que o tempo está inexoravelmente parado. E quando não nos esforçamos por superar a câmara lenta da angústia, a idéia aflitiva ou obsecante nos corroí a vida mental, levando-nos à fixação. Chegados a essa fase, o tempo como que se cristaliza dentro de nos, porque passamos a gravitar, em Espírito, em torno do ponto nevrálgico de nosso desajuste. Qualquer grande perturbação interior, chame-se paixão ou desânimo, crueldade ou vingança, ciúme ou desespero, pode imobilizar-nos por tempo indefinível em suas malhas de sombra, quando nos rebelamos contra o imperativo de marcha incessante com o Sumo Bem. Analisemos ainda o nosso símbolo do combate. O relógio inflexível assinala o mesmo horário para todos, entretanto, o tempo é leve para os que triunfaram e pesado para os que perderam. Com os vencedores, os dias são felicidade e louvor e com os vencidos são amarguras e lágrimas. Quando nos não desvencilhamos dos pensamentos de flagelação e derrota, através do trabalho constante pela nossa renovação e progresso, transformamo-nos em fantasmas de aflição e desalento, mutilados em nossas melhores esperanças ou encafurnados em nossas chagas íntimas. E quando a morte nos surpreende nessas condições, acentuando-se-nos então a experiência subjetiva, se a alma não se dispõe ao esforço heróico da suprema renúncia, com facilidade emaranha-se nos problemas da fixação, atravessando anos e anos, e por vezes séculos na repetição de reminiscências desagradáveis, das quais se nutre e vive. Não se interessando por outro assunto a não ser o da própria dor, da própria ociosidade ou do próprio ódio, a criatura desencarnada, ensimesmando-se, é semelhante ao animal no sono letárgico da hibernação. Isola-se do mundo externo, vibrando tão-somente ao redor do desequilíbrio oculto em que se compraz. Nada mais ouve, nada mais vê e nada mais sente, além da esfera desvairada de si mesma.
(…)
– A reencarnação, em tais circunstâncias, é o mesmo que conduzir o doente inerte a certa máquina de fricção para o necessário despertamento. Intimamente justaposta ao campo celular, a alma é a feliz prisioneira do equipamento físico, no qual influencia o mundo atômico e é por ele influenciada, sofrendo os atritos que lhe objetivam a recuperação.
(…)
– Na maioria das vezes, o soerguimento é vagaroso. Podemos comprovar isso no estudo das crianças retardadas, que exprimem dolorosos enigmas para o mundo… Somente o extremado amor dos pais e dos familiares consegue infundir calor e vitalidade a esses entezinhos que, não raro, se demoram por muitos anos na matéria densa, como apêndices torturados da sociedade terrestre, curtindo sofrimentos que parecem injustificáveis e estranhos e que constituem para eles a medicação viável. É possível auscultar ainda a verdade de nossa assertiva, nos chamados esquizofrênicos e nos paranóicos que perderam o senso das proporções, situando-se em falso conceito de si mesmos. Quase todas as perturbações congeniais da mente, na criatura reencarnada, dizem respeito a fixação que lhe antecederam a volta ao mundo. E, em muitos casos, os Espíritos enleados nesses óbices seguem do berço ao túmulo em recuperação gradativa, experimentando choques benéficos, através das terapêuticas humanas e das exigências domésticas, das imposições dos costumes e dos conflitos sociais, deles retirando as vantagens do que podemos considerar por “extroversão” indispensável à cura das psicoses de que são portadores.
[Obra: Nos Domínios da Mediunidade, pelo Espírito André Luiz e psicografia de Francisco C. Xavier. Capítulo 25 – Em torno da fixação mental]
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Quando Áulus explica o quadro da Fixação mental, expõe um dos fatores mais paradoxais da Doutrina Espírita. Ao mesmo tempo que conota um quadro complexo, demonstra que é uma via simples o início de tudo.
“chame-se paixão ou desânimo, crueldade ou vingança, ciúme ou desespero, pode imobilizar-nos por tempo indefinível em suas malhas de sombra”
Como ser humano, só vejo ali sentimentos presentes no cotidiano da maioria. Claro que não vivemos em função destes sentimentos na maioria dos casos, mas as paixões e o desânimo estão comumente presentes em nossa sociedade, nas mais variadas formas. Tomemos por exemplo a dor de uma futura mãe que sofre um aborto espontâneo, ou de uma mãe que perde o filho em situação de dor e desespero. Quão facilmente o desespero e a dor passarão a nortear aquela vida?
Justamente por sermos humanos, tão ainda distantes de uma boa posição na escala evolutiva do Espírito, temos sempre a clemência e a misericórdia divina ao nosso lado. A reencarnação é o remédio amargo que nos ensina, por quanto tempo for necessário, a valorizar os pensamentos e atitudes de forma correta e passageira. O desespero só existe quando há desconhecimento de causas e motivos. A amargura, a vingança, as paixões, são todos elementos ligados à nossa inevolução e estado inferior que ocupamos por muitas vidas.
Podemos também observar a quantidade de doentes mentais e imaginar o porquê…
Fixação mental, cristalização da alma, monoideísmo (manter o pensamento em apenas 1 foco), tudo é motivo para obsessão e seus desdobramentos mais sérios. Como toda obsessão se inicia com a auto-obsessão, este é o melhor exemplo e melhor explicado de como esse processo tem início. A partir de hoje, que possamos policiar-nos melhor.
Nossa luta como alma é praticar a reforma íntima, prosseguir tentando ser melhor, orando e vigiando nossos pensamentos e ações, para conseguir um mínimo de melhora.
Para que a pressa? Somos eternos.